quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Ponto e as Virgulas

Já disse alguém que não admiro nada:

"A coisa que mais gosto de um ponto final, é o facto que, de um ponto, podemos fazer uma vírgula." Vitor Marques


O isqueiro ocupa nas mãos geladas um lugar de destaque, retiro do perfeito objecto rectangular um cigarro perfeitamente arrumado e direito, levo-o aos lábios.
De forma leve acendo a ponta do cigarro que liberta uma primeira labareda com o inicío do inspirar. O fumo desliza e suaviza enquanto deambula traqueia abaixo, bronquios, coração, cérebro, coração, bronquios, traqueia acima, em forma de Y espele-se pelas narinas, e como uma corrente de algodão acaricia a lingua despedindo-se a sair mais pesadamente do que entrou.

Página X
"O sexo é louvado pelos mais novos porque é a forma de transmitir fisicamente o imenso medo de não se ter futuro. Sara preferia esta análise. Quem tem medo, fornica. Quem não quer nada, Fornica.
Sara estudava com afinco. A euforia do sexo nunca a motivara. Não sabia entender-se nessa troca de fluídos. Gostava da conversa depois do sexo. Das frases curtas, preguiçosas a espreitar a realidade depois da comoção dos corpos. Gostava, sobretudo, disto: a conversa."

Página Y
"Porque pintas as unhas dos pés se não usas sapatos abertos?
Porque gosto de ver. Para mim. É uma coisa Egoísta, Claudia."


Mesma Página Y
"Certas decisões que tomamos são puras mentiras que tentamos impigir a nós próprios."

De Patricia Reis - "No Silêncio de Deus"

Decidi mentir a mim próprio e fazer-me acreditar no mundo de encantar.
Vou viajar daqui ao fim ao mundo e ver princesas nos olhos de um mendigo.
Vou levar o meu moleskine comigo e gravar em cada folha amarela o que nunca ficou no meu mundo de ruas em calçada e luzes amarelas, vou deixar para trás os meus quartos pequenos cheios de sombras e vou viajar pelo frio.
Vou estar sozinho sentado nas minhas esplanadas a observar os meus estranhos de outrora, vou meter conversa com uma estranha no autocarro porque olha as minhas montanhas.
Vou fumar um cigarro e libertar todos os meus pensamentos de ti na atmosfera queimada de um mundo de encantar.
Vou-me lembrar nos olhos de um mendigo a tua história, a história que um dia contei a uma estranha, como a mais bela história de amor.

"Amo-te" dizias.
Vou passear na praia deixando pegadas que se apagam na memória da lua.
Vou amar a mentira.
"Amo-te" dizia.
Amo o acto de amar.
Mas vivo demasiado morto nos versos da minha própria metafísica.

"Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto. "
Alvaro de Campos - Tabacaria (15-1-1928)

Mitghefüll


E agora assustei-me porque não tinha visto a data do poema=)