terça-feira, 25 de maio de 2010

Dia vinte e três de Maio do ano dois mil e dez.
Já faz muito tempo que não escrevo a data por extenso, são seis horas da manhã e cinquenta minutos.
Duas linhas que se ocupam simplesmente com o saudosismo de escrever a data e a hora.
Hoje talvez esteja um belo dia, não sei apreciar bons dias e muito menos hoje que decidi não viver o dia, não me apercebi de repente, não premeditei qualquer decisão para este presente, simplesmente acordei em mim e notei que a decisão de hoje não viver foi decidida por mim sem qualquer decisão dada por mim.
Não dormir ou passar pelas brasas, não comer ou fumar um cigarro, não descansar ou aprender, quanto mais sentir vontade de prazer.
Com tanto sol crepuscular e poucas nuvens o calor que me atravessa não passa de um formigueiro numa madrugada tão subtil como esta.
Não me vou levantar nem para cagar ou para mijar, por muito que o quisesse, agora já não quero.
Não faz muito sentido viver quando decidi não o fazer sem mágoa ou opinião.
Não há arte em dia contemporâneo que me liberte de uma suspensão destas que me caiu em cima.
Não o vou escrever, deus (que não) me (existe) livre, não me apetece porque não, não sei se penso o que é ser eu ou uma outra coisa qualquer que fui ou vivi.
Se me existo, por quem fui ou vou ser, sem lembrança ou existência do fazer.
Que mais há agora a fazer, senão ser.
Não decidi morrer não.
Mas o que?
Também não vou fazer perguntas, decidi não perguntar, muito menos decidi tirar conclusões, ou não as tirar.
Não tirei nada ou queria, nem queria não querer.
Veio pela manhã lentamente com o sol a decisão sem minha opinião de decidir em não viver quanto mais morrer.
ser?


quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ensaio de um anormal sobre a loucura

Não estou louco, não. Não acho que o seja. Mas quem o é diz sempre que não o é.
Arranjei emprego, sim emprego não trabalho, a guardar algo que ninguém quer roubar, aqui tudo faz sentido. Arranjei amigos, um formigueiro...ninho de formigas?
A princípio tapei a entrada, no dia seguinte fui lá e vi que tinham uma nova entrada, fiquei feliz por criar uma nova dinâmica no formigueiro, pedi-lhes desculpa, retirei a pedra e o cigarro que tinha colocado para tapar a entrada, de forma a lamentar-me ainda mais matei uma "vaca-gorda" (uma espécie de formiga gigante com um rabo enorme) e meti-a junto à entrada. Quando voltei para fumar um cigarro fui visitar as minhas amigas, a vaca já não estava la devia ter fugido, não a matei muito bem com a bota. Empalei um escaravelho e deixei-o com o seu pau junto à toca, a princípio no frenesim de ir lá para fora viram o escaravelho e fugiram, voltavam para dentro a medo, sei que era medo porque eram muito rápidas, ou talvez fossem chamar as outras.
Antes de acabar o meu cigarro, visito-as sempre quando venho fumar, já o escaravelho sem pau tinha sido engolido pela toca juntamente com mais meia dúzia de formigas .
São amigas, animais de estimação, são formigas e ri-me quando fugiram a medo da oferta, não estou louco, não porque ninguém viu. Se alguém tivesse visto um gajo vestido de respeitável vigilante com gravata a rir de formigas, tinha-me chamado maluco.
A maluquice e a loucura são sinónimos?
Se alguém aparece-se eu não me ia dar ao trabalho de contar a história toda.
Ás vezes levanto-me para fazer uma ronda, só porque sim, para esticar as pernas, e quando me levanto esqueço-me de como se anda, então paro e fico com vergonha de que vejam um homem adulto a tentar andar, depois lembro-me que ninguém por aqui aparece, e tento andar ciente de parecer uma puta a abanar o rabo ou um palhaço de pés grandes.
Enquanto-me desloco esqueço-me de que me esqueci de como andar, e depois lembro-me que não sabia, agora, pé ante pé pareço um palhaço abanando o rabo que nem uma puta, uma puta palhaço...sim...
Estar sozinho durante muitas horas tem uma vantagem, ninguém vê as calças rotas no rabo, não porque ainda não sou gordo, mas porque me estavam apertadas e eu escolhi as primeiras que me assentaram.
Não é só porque ninguém me vê o rabo, é porque aqui raramente chove.
Ninguém estranha que esteja enfiado na casota quando faz sol, e que esteja de nariz empinado na rua quando chove, porque quando chove cheira a terra molhada, eu venho cá para fora, faz-me bem, sabe bem, cheira bem.
Toda gente gosta do cheiro da terra molhada, talvez porque trás um pouco da loucura de alguém e lhes dá uma nova liberdade do seu eu.
Cá eu não sou louco.
Aqui para passar o tempo lê-se, desde as instruções do extintor a manuais de máquinas velhas, também livros, li um que dizia:
"Sempre defendemos que anormal não pode ser tomado como fora do normal com critério estatístico puramente a norma.
Propusemos antes uma perspectiva pragmática: Tudo o que promove ou favorece a realização do homem e como membro da sociedade é normal, e anormal o que impede ou prejudica essa realização."
Pós-fácio, Prof. Dr Luís D. Santos In «O caso clínico de Fernando Pessoa» Mário Saraiva.
Tive que ler isto várias vezes, porque eu, não estou dentro desta sociedade não estatística que o doutor amigo do doutor disse, nem da estatística, a dos médicos.
Pareceu-me tudo despropositado e cheio de gíria, achava já eu que os anormais eram os doutores, vinham à um livro inteiro a dizer coisas interessantes do F.Pessoa e agora atirava para ali com loucuras.
Fui lá fora porque me pareceu ouvir um carro, mas era o vento, é sempre assim, nunca é um carro, ele começa por soprar de lá bem longe a abanar tudo, até que chega até mim a fazer barulho só para ver se estou atento.
Quando entro percebo que os loucos podem estar certos se perdermos um pouco do nosso tempo e tentarmos perceber o que querem dizer, foi aí que o Sr. Doutor dizia começou a fazer sentido.
Se cada um tem o seu mundo próprio não existem estatísticas suficientes para que uma sociedade normal subsista com tanto anormal.
Acho que o Dr. é anormal não louco só anormal, porque tenta pegar nos verdadeiros anormais e fazer deles normais, sendo todos normais não é possivel que uma verdadeira sociedade seja uma sociedade só com normais.
Eu não sou anormal, tenho uma normalidade exterior só para as pessoas verem, porque como toda a gente tenho medo de que vejam o pouco de anormal que tenho dentro de mim.
E quem vai ouvir, ler o que diz ou pensa um anormal?
Quem vai tentar perceber ou reler?
Talvez eu seja anormal sim.
Tenho o meu mundinho, cheira bem, brinco com formigas, irrito-me com o vento e tomo banho à chuva de calças rotas.
Se um dia-me aparecer por aí um louco, vai-me dizer que não é assim que se fala com as formigas, ou então não se vai dar ao trabalho de explicar para não parecer anormal.
Se a sociedade fosse pragmática era tudo muito mais aborrecido.
Assim, cada anormal com as suas loucuras.
Cada "normal" finge que o é.
Cambada de hipócritas não é?
Talvez...Se eu fosse ler tudo o que penso, ia achar que sou um anormal

domingo, 2 de maio de 2010

Tulipas



Não.
Já não sei o porquê, de em todo o lado me encontrar sem ver nada mais do que eu.
Embriagado de mim, sobre minha deturpada consciência, revejo-me sem mais nada do que sou, a todos os locais onde sempre fui, levei comigo uma lembrança tão antiga como meu sofrimento.
Revia uma tão triste e melancólica imagem num espaço tão lindo como uma montanha que devia ser só minha, na praia que deveria embalar-me no mar, no mar que é o Tejo hoje só vejo sua imensidão.
Em todo o lugar que me presenciei senti um luar tão constante e atormentador dentro de mim.
Hoje, apresento-me em crepúsculo numa manhã de domingo, sem relembrar o saudosismo da minha alma mais do que a mim me lembra o ser eu.
Hoje vejo o que o passado não era.
Se esquecemos o que vivemos?
e não é triste?
Sim, isso é conversa para outro dia.
Hoje?
Hoje sei que a saudade não entorpece a alma, ou desata ou ata o coração, hoje só sei que a saudade me lembra a leve lembrança de tulipas.
Hoje vou comprar Tulipas à minha mãe.
Só porque sei que são bonitas.