quinta-feira, 26 de agosto de 2010

É simples

Ontem, antes de adormecer, pensei os mais belos poemas que já senti.
Ontem, antes de adormecer, imaginei o melhor mundo para mim.
Hoje acordei sem lembrança do que podia ter escrito.
Que mundo podia ter vivido.
Quando me leio, quando me escrevo, não trás novidade alguma ou sentimento.
A quem escrever sobre o que não é novo?
Qualquer ser sente seu abismo, vou partilhar meu maior fundo?
Vontade de gritar ao mundo,
mas que desejo,tão FORTE este novo querer.
Doce voyeur o querer humano.
Mas quem fica para nos ler?
Mas quem fica para nos ver? Será que interessa o sentimento a alguém?
Vou dar a novidade de um novo sabor a ti?
Resta-me o anonimato dos sentimentos, quem não sentiu dor e amor?
Contar o filme revivido é tão mais aborrecido que criar o existente.
Sem esse inexistente para viver, debaixo desta luz mais antiga que há para fazer sem que seja tão aborrecido?
Somos tantos que nos vimos, quem mais se fica por fazer o nunca visto?
Amor e dor, coisa tão comum que quase sufoca.
Não há quem não o tenha passado.
Ninguém sente pena.
Ninguém te vai acalmar a dor ou dar amor coisa tão passageira e usada por abuso de um velho adulto que já viveu e aborreceu.
Aborreceu, aborrecemos, ficamos aqui a entreter o tempo.
Vamos escrever com as mesmas letras de sempre o quê?
Algo de novo debaixo do sol?
Algo novo ao meu lado?
Individuo tão simples que és tal como eu, não vais sentir melhor ou pior. Não importa como o digas, é tudo igual e banal.
Somos iguais.
Somos banais.
Somos simples.
Tristes animais que se fazem demais.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

É sempre com dois cafés

Começou tudo quando fui trabalhar para a grande cidade, fui através do contacto de um amigo meu, era um projecto simples que iria durar cerca de 6 meses. Instalei-me dentro de um T0 amarelado que tinha como conteúdo uma cama, uma mesa, um sofá e um frigorífico sem congelador.
Não discuti muito sobre o espaço visto que o trabalho era extenso, a cama necessária com um frigorífico vazio complementava-se com o sofá para amontoar toda a roupa enxovalhada. Alimentar-me ia num qualquer café ou restaurante, pensei eu, logo depois de meter os pés em cima do tabuado ruidoso, menos trabalho em comida.
De manhã a rotina era simples, saía de casa para tomar o pequeno almoço sempre com pressa, tentando espremer a vontade de espreguiçar o sono pelo acto de lanche matinal, rabiscava o sudoku nas traseiras do jornal gratuito, nunca o acabava. Lia as manchetes do jornal nacional na televisão e ouvia os lábios da pivô a mexerem-se sem nunca a ouvir no meio da confusão de cheiro a torradas e café.
A empregada não era muito prestável, andavam todas de boné, rabo de cavalo, não a olhei nos olhos, ninguém presta atenção a nada até chegar ao trabalho, estar ainda a dormir e olhar alguém nos olhos é falta de educação. Lá deixava uma nota próxima do valor e quando o troco chegava levantava-me sem boas educações, estava muita confusão e eu ainda tinha preguiça de fazer tudo o que fosse preciso para ser alguém ás horas apresentadas.
Fui sendo assim, fiz o meu papel durante a semana, dormitava enquanto a empregada me trazia o café e a única pessoa que olhei nos olhos foi o meu reflexo para me pentear.
Ao segundo dia choquei com uma senhora, pedimos os dois desculpas e continuamos o nosso caminho, eu segui para a linha verde e comprei outra vez o cartão do metro que fazia por perder, odiei ali naquele momento as cidades, tão impessoais, eu que odiava as terras pequenas porque existe sempre alguém conhecido a quem falar, interrompem sempre o raciocínio.

Uma noite eu e o meu amigo fomos aos copos, copos valentes, bebidas pesadas, ficámos tão dispersados do plano inicial da conversa de trabalho que acabámos perdidos numa rua do outro lado do rio. Ao fim de meia hora de conversa, sem muita vontade de se fazer sentido, decidimos que a melhor forma de ir para uma casa seria de taxi, achei que morava do lado de um rio, e que estávamos nesse lado, ofereci guarida na minha cama e prontifiquei-me ao sofá.

Na manhã seguinte acordamos a altas horas, sem água nem a saber onde estávamos, passado algum tempo de auto controle nas pálpebras decidimos que o melhor seria o pequeno almoço agora que o sol marcava a sombra mais pequena.

Hoje não ia trabalhar, por isso olhei o senhor do café que me deu um bom dia, ao que parece ele conhecia-me, pedi uma mesa para dois, ele indicou-me a mesa habitual, não fazia ideia que tinha mesa habitual, possivelmente era sempre a mesma, eu um animal de hábitos. Chega o café e a empregada era a mesma, tinha os mesmos ténis dos outros dias, agradeci enquanto agitava o pacote de açúcar de olhos postos no meu amigo que fixava a empregada. Assim que ela se retirou, o meu amigo deu uma gargalhada, fez-lhe certamente doer a cabeça pois parou logo de seguida agarrado à testa com os olhos esbugalhados. Não percebi de onde tinha vindo ideia tão ridícula naquele momento, daquela boca, assim:
Não viste quem era?
Eu? Sei lá quem era?
Era a Sofia!
Sofia? Qual Sofia?
Tu tás a gozar comigo? Aquela Sofia? A Sofia!
Não percebi bem, levantei e bebi o café sem perceber de quem falava.
A Sofia a quem tu ias morrendo preso na vida?
Atingiu-me quem ele falava, subitamente o meu coração desatou apressadamente a bater em pânico sobre quem ele falava.
Sim já vês quem é? Sete? Oito? Quantos anos? Tu nunca mais tiveste nada sério depois disso pois não?
Cala-te! Ordenei, em pânico resignei-me aos meus pés. Era um óptimo amigo quem se mostrava agora diante de mim a relembrar-me o passado, espicaçava-me com lembranças.
Não tiveram para morar juntos? Porque acabaram?
O meu coração acelerava.
Quantos anos estiveram juntos? Três? Quatro?
Era demasiada coisa para relembrar, e a minha cabeça tão pesada não gostava nada, nada do que se avizinhava.
Olha vem aí, repara, é mesmo ela.
E era, sim.
Bem, deixo-vos a sós, certamente têm muito sobre que falar ao fim de tanto tempo, acho que hoje pagas tu o café, ATÉ À MANHÃ!
Que grande amigo, deixou-me sozinho, provavelmente a espiar de um lado qualquer e a rir à gargalhada segurando a testa.

Quando ela veio não tinha outra hipótese senão olha-la nos olhos, nesse momento ela reviu-se, reviu-nos. Deve ter acontecido algo, ou então não aconteceu nada, porque os dois cafés mantinham-se nas suas mãos sem tremer, talvez o que tenha tremido tivesse sido o seu olhar.
Eu disse um ola tão sumido e medroso que não sei como ouviu.
Ela olhou-me, agora mais calma, e disse outro ola.
Tentava-me lembrar de qualquer tema de conversa ou algo em comum para trazer ao de cima o todo quando éramos um. Não me lembrava de nada, não era pânico ou atrofio mental, subitamente depois da surpresa da memória, fiquei inundado de um vazio presente sem passado. Eu já não me lembrava de nada, eu quase que casei com ela, e agora não me lembro de nada para lhe dizer.
Ela fixava-me, de olhos cansados como se olhasse qualquer outro cliente, mas como se o conhece-se à muito tempo, ela lembrava-se de mim, mas não dizia nada.
...
Ela também não se lembrava.
...
Cumpri a função do primeiro "olá" com um mais firme "Tudo Bem?", agora não sabia onde me agarrar e onde isto ia levar, porque eu já não sabia com quem falava.
Ela assentiu, fingindo-se apressada, replicou um "Está tudo bem, espero que tenhas gostado de isto" olhou para cima, "espero que esteja tudo bem contigo também".
Fiz um meio sorriso como afirmação que se desvaneceu quando ela deu a meia volta, ela esqueceu-se de cobrar os cafés, levantei-me e deixei uma nota de 10 para o pequeno almoço de dois cafés.

Atravessei o café em direcção à saída.
Fui dar com o meu amigo encostado na sombra do edifício no outro lado da rua agarrando a testa, mas não nos observava, olhava somente o café de onde tinha saído.
Já viste?
Apontou para onde olhava. Sentei-me ao seu lado e olhei na mesma direcção.
"O canto da Sofia" dizia por cima da porta.
Pois.
Então falaram de muita coisa? Vão se voltar a encontrar?
Não.
Não?
Não, saí logo de seguida. Já passou tanto tempo que não há nada a falar.
Não falaram de mesmo nada? Porra vocês iam casando!
....
...
...
..
.
Depois da pergunta.
Relembrei-me de umas leves memórias em quartos perdidos, juventude esquecida, amigos longínquos, lembrei-me que éramos um.
Duas almas num corpo. Com o sonho de não deixarmos nunca de ser um.
Lembrei-me do que havia esquecido.
Disse ao meu amigo.

Bem, falámos que estava tudo bem.

Levantei-me e segui rua abaixo, nunca mais lá voltei.
Não sabia falar com o meu passado.
Tinha medo de lembrar que me havia esquecido.