domingo, 26 de dezembro de 2010

23/DEZ/2010

Foi tão pouca coisa, que agora se lê ao olhar para trás, do tanto que se viveu sem ficar para hoje uma só réstia de lembrança.
São fúteis o sentimentos, são lembranças só, nada mais que a falta de um existir que hoje não é.
Hoje chove.
Amanhã faz sol.
Ontem nevou.
Já ninguém se lembra de escorregar nas poças geladas.
Todos sabem que amanhã não é preciso agasalho, tudo se esquece.
Mas a neve, neste deserto
fazia amanhã falta, para lembrar o tremer e o escorregar do gelo.
Vida de sol tem a falta de nostalgia.
Escorregas sempre no gelo.
Nunca lembras...
Mas sabes que amanhã não vão haver nuvens.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Factos, são factos senhor

"
(Que nome te dar? Tu és unica. Tu és todas. Ou talvez nenhuma. Eu sou tu. Tu és eu. A outra metade de mim. A parte de ti que em mim ficou. A parte de mim que foi contigo. Ninguém me foi tão próximo. Ninguém me escapou tanto.
Como foi que constantemente nos encontrámos e nos perdemos?
Esta é a história. Uma história sem história. Uma história só isto.)
"
Manuel Alegre - Poesia

"O amor é como o cos(x) e o sen(x)
eles encontram-se e desencontram-se.
Mas quando se encontram.
São 1."
Jonathan Tavares.

"-Estou curada?
-Não. Você é uma pessoa diferente, querendo ser igual. E isto, no meu ponto de vista, é considerado uma doença grave.
-É grave forçar-se a ser igual: provoca neuroses, psicoses paranóias. É grave querer ser igual, porque isso é forçar a natureza a ir contra as leis de Deus..."
Paulo Coelho - Veronika decide morrer

"Sempre defendemos que anormal não pode ser tomado como fora do normal com critério estatístico puramente a norma.
Propusemos antes uma perspectiva pragmática: tudo o que promove ou favorece a realização do homem e como membro da sociedade é normal, e anormal o que impede ou prejudica essa realização."
Pós-Fácio, Prof. Dr. Luis D. Santos - O caso clínico de Fernando pessoa

"Em criança não nos despedimos dos lugares. Pensamos que voltamos sempre. Acreditamos que nunca é a ultima vez."
(...)
"-Saudade é esperar que a farinha se refaça em grão".
Mia Couta - Jesusalém

"Queria convencer-me de que tudo dura para sempre, mas tudo tem um fim. Na verdade, nada dura mais do que um instante a não ser aquilo que guardamos na nossa memória - preferia morrer a esquecer."
Sam Savage - Firmin

"Pelo caminho, ao atravessarmos não sei que praça, chegaram-nos ao ouvido os sons de um violino de cego, estropiando uma linda ária. E Ricardo comentou:
-Ouve esta música? É a expressão da minha vida: uma partitura admirável, estragada por um horrível, um infame executante.

Mário de Sá Carneiro - Confissão a Lúcio

"Um homem não vai menos perdido por caminhar em linha recta"
José Saramago - O ano da morte de Ricardo Reis

"Quando ele disse que aquele mar de gente que ia no funeral, escravos, soldados, guardas reais, carpideiras, tocadores de pifaro, governadores, príncipes, futuros reis e todos nós, onde quer que estejamos, quem quer que sejamos, não fazemos mais na vida do que procurar o lugar onde iremos ficar para sempre."
(...)

"Afinal a ausência é tambem uma morte, a unica e importante diferença é a esperança"
José Saramago - Evangelho segundo Jesus Cristo

terça-feira, 30 de novembro de 2010

29/11/2010-30/11/2010

Fosse eu outro,
outro que não eu!
Teria mil vinhos a provar, mil essencias a apreciar.
mas a vida entregue cabe-me a mim,
só a mim e não a outro.
Não se despe, não rasga contacto, terei de ser eu a acenar a conhecidos quando não quero, não os conheço.
Não quero.
Falem-se eles a eles quando me vêm.
Deixem-me os doces, os vinhos, as árias, que o mundo é meu para viver, não para justificar porque o vivo.
Porque é meu, sinto-o eu.
Danem-se as justificações,
perante tão pouca vida perdem-se os vinhos envelhecidos, entornados á minha frente, eu pobre assistente, resta-me o triste salivar de os ver derramar.
Quero, oh se quero ser o que quero.
Dane-se o mundo em procriação de enchente boato.
Venha a mim mundo de vós, meus sentidos aguardam adormecer em bebedeira,
meu libido enternecido por querer o teu viver,
bebe o vinho sem uma gota a perder.

É meu o mundo.
Sou eu que o bebo.
Sou eu que o acordo.
Sou eu que o deito.
Cabe-me a mim este,
deixa para ti o falar.

Fosse eu outro....
Viveria como quem não sou.
Porque a viver não estou.
Não estamos.
Tu estás?
Faz tempo que não estou acordado.
Faz tempo que não sonho acordado.
Faz tempo que não penso VIRGULA escrevo acordado.
Se durmo não sonho.
Se vivo não vejo.
Se existo não reparo.
Monótono em mim sou nada mais que estar.
Que será de mim se acordar.
Que terrivel horror, acordar...
Tenho medo de morrer, e quando acontecer não vou reparar porque vou estar adormecido.
Adormecido.

Nostalgia

Já reparou?
Onde está a beleza de um mundo novo?
Se o que se afirma como belo é o antigo...
Paredes grossas de portas tortas, geometricamente horrendas, carregam em si manchas de humidade que transportam a nostalgia de estar salvaguardado pelo tempo.
Ninguém se sente seguro em tão fútil mundo que geométrico e quente não tem os séculos de experiência de ser bom para todos.
As paredes de família viram gerações nascer e morrer, com histórias por contar cantam estórias para adormecer...
Mas o novo...oh o novo não sabe de nós, não sabe do tempo.
O tempo não é já nada para quem vem....esqueceu-se de si...
...Perdeu-se...
Já não se encontra o antigo que desistiu de se existir por ninguém o procurar.
Deveriam poder existir pessoas, as que quisessem, como intocáveis fora dos que nem sabem quem são mas de progresso embandeirado invadem o virgem puro mundo da nostalgia.
...
Fala-me a saudade. Não me tem conforto a vida no mundo admirável triste novo que vem, que estraga o que sempre foi.
E o que vem, é fútil, vazio, novo, frágil...
Fica a lembrança do que foi, robusto, milenar, antigo...
Vão-se as raízes de uma árvore ancestral para plantar flores, belas que cedo murcham, enganam os sentidos e remoem a terra, destroem as raízes, vão-se as raízes...
Vamos recordando...
As raízes, essas, cresciam em nós...
Hoje é tudo Outono, sem a beleza das folhas a cair.
Engraçado, não a piada que tem, mas curioso.
Revolver um caderno com coisas antigas, pergunto:
Quem era eu?
Não é raro ter vergonha de me reencontrar, por vezes até medo.
Não entendo quem o escrevia, não entendo.
O que me aterroriza é não saber quem é hoje.
O que sou?
Para quem escrevo?
Que eu para que outro eu de mim?
Aumente-se a escala de terror.
O pânico.
Quem vou ser eu amanhã?
Só mais uma pergunta. (afirmo)
Como vive toda a gente?
Sem saber quem é? Sem se perguntar?
(É a mesma pergunta, mas separada por pontuação)

Aguardo ansiosamente resposta de mim.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Não

Existir, é um anuncio tão simples como o de desaparecer.

Como em tantos momentos desejamos ser um pouco melhores do que somos, percebemos que é feita uma analise concreta ao interior da nossa alma, percebemos que o mundo não é simples, percebemos que não somos bons para ninguém sendo bons para todos.

Existir, não é nada mais que sermos nós mesmos.

Existir é não olhar.

Quando o mundo olha para si mesmo.

Quando desistimos de ser algo mais que para os outros, percebemos que somos uma parte do mundo, já que o mundo que recebeu tudo o que podemos dar, nunca agradeceu ou sequer notou.

Se existir, hoje, é ser parte do mundo?
Eu, quero ser parte mim.

Faça-se uma leve analise de nós.
Ser o que quer, cada um, é tão difícil como não querer.
Faça-se a vontade, a minha.
Sou o que quero.
Como não quero.
Sempre,
ao contrario de mim.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Rouco

Sente-se pesado,
a lembrança de um dia ter passado.
Hoje, são rotas as memórias.
É triste o querer,
da minha ausência de saber.
Já trás ocupada a vida em histórias.

Fico rouco,
de tanto cantar,
sobre meu eu louco.
Madrugadas inteiras a pensar:
Farei de de mim ouvido mouco?
Como aqueles de vida pouca,
fazem do fado épica viagem louca.
Serei eu um dia a sonhar?

Acabe-se o verso.
Não sou poeta, quanto mais a rimar.
Já me basta o peso de ser homem disperso

Corrói

Corrói o Homem.
Atenta-lhe a ideia de ser o que não quer, destrói e perturba.
Enlouquece.
Perdoai deus os que magoam por amar.
Perdoem aos homens e mulheres o pecado de sentir.
Que de loucos se entranha o ódio desconhecidos de si.
Realizam o mundo em ausência,
é rico o sofrimento vazio e esquecido.
O querer viver sem calor,
solidão a solidão.
Dias e noites.
Perdoa deus os que não querem conhecer o vazio.
Reza para que se encontrem.
Um dia vão esquecer-se de si mesmos,
nesse dia vão ser felizes.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Perdi-te

Perdi-te,
oh sim perdi,
a alma, minha alma.
Aquela dor, a mais temida,
hoje se lamenta como esquecida.

Vais e amas,
sentes e beijas.

Respiras por liberdade.
Sentes o querer
Do Minotauro te libertas,
hoje és dona de ti.
Livre.
Tu, que sempre de labirinto atrás,
trazes hoje o viver de frente,
vives contente.

Quem sente não mente,
Não raciocina ou chora.

Temos agora já tarde o nosso amor em demora.

Tanto fomos,
que hoje não somos.

A cada galho um novo fruto,
nova semente,
pelas que secaram se enraíze uma nova.

Nunca tememos o medo que era não sermos
Amo-te como sempre amei o que nunca tive.

Faz de ti nova rainha e rei,
Nova vida que passou,
o que te dei e nunca em viver nos alcançou.

Ama e sente,
já que sem ver,
nos apareceu a vida pela frente.

sábado, 9 de outubro de 2010

Mantas

Mas como será ser grande? Crescido?
Quando for grande quero ter uma dor de cabeça, pressionar as têmporas de cabeça baixa e olhos fechados para dizer, deixem-me em paz tenho uma enorme dor de cabeça, preciso de ficar sozinho.
Depois vou brincar, vou ter tempo para andar de bicicleta e não ter horas para chegar.
Quando for grande vou poder ir onde quiser sem ninguém perguntar por mim.
Não vai fazer mal chegar a casa com os olhos vermelhos da escuridão, ninguém vai ralhar pelas calças rotas, vou ser grande, crescido, dono de mim.

Quando for grande vou acordar ás horas que quiser, ter dias e dias só para mim! Fico se for preciso acordado pela noite dentro a ver os filmes mais aterradores enquanto como porcarias.

Quando for grande quero ser tudo aquilo que eu quiser!

Oh quando for grande.

Hoje quero ser pequeno, quero não pensar como entreter o tempo, quero não pensar em não pensar, quero não ter dores de cabeça, quero não ter que ralhar comigo pelas horas, quero não ter cuidado com as calças rotas ou sujas, não quero compromissos ou ter de ser responsável.
Hoje quero algo que já não sou.

Viaja-se tanto para alcançar o que nunca fomos,
um dia somos nada mais do que já fomos e nem nos lembrámos de o desfrutar,
triste vida esta que passa e não a contemplamos,
posso guardar um pouco de cada de mim?
Um dia vou querer algo que possa ter?
Algo que possa ver?
Desfrutar e realmente perceber?

Quero ser pequeno, não escrever,
brincar e ficar preocupado
porque minha mãe vai ralhar porque as calças estão rasgadas,
eu vou dizer que estivemos a brincar aos soldados nas obras aqui ao lado,
tomo um banho, vou jantar e adormeço quentinho enrolado em toneladas de mantas.
Quero adormecer como adormecia,
não pensar noites sem fim.
Quero não ter que escrever.
Quero não ver.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Trás a pena

Pesa-me o cansaço, o sono, tudo perante uma tão comum e igual revelação da vida perante mim.
Trata-se de sentir o que não temos, sentir o que já tivemos,
sentir a podridão da vida desgatada evaporar-se em papel queimado.
Trás-me a saudade de não sentir o que não é, revezar o que sinto por não ter que sentir.
Dói sentir o que quero, não aspirar mais do que fui,
triste país de mortos andaimes, mulas e machos de olhos tapados,
andam em recta de olhos destapados a medo de não se desviarem do seu caminho mijado.

Resta-te a ti tal como a mim ficar a vê-los passar e com cuidado não pisar o rasto que deixam, não se ofendam as bestas por pisarmos seus restos.

Fomos heróis, agora envergonhados estamos por aqui,
sem sonhos,
sentados a recontar as migalhas e distribuí-las pequenez a pequenez,
uma a uma por cada refeição, enganando a fome, que alimenta o farto querer de quem pode o poder todo sem dever,
ficamos assim todos a ver o que cada besta fez.

Ah tristeza a nossa do pobre português tão acostumado a consentir, larga agora os sonhos encolhendo os ombros, atravessa o areal num triste nevoeiro,
não sonha, não lembra, quem pode vir
ficou para trás seu quinto império.
Um dia mais tarde contamos as migalhas e olhamos atrás
e vimos que não percorremos mais que o império das Bestas.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

É simples

Ontem, antes de adormecer, pensei os mais belos poemas que já senti.
Ontem, antes de adormecer, imaginei o melhor mundo para mim.
Hoje acordei sem lembrança do que podia ter escrito.
Que mundo podia ter vivido.
Quando me leio, quando me escrevo, não trás novidade alguma ou sentimento.
A quem escrever sobre o que não é novo?
Qualquer ser sente seu abismo, vou partilhar meu maior fundo?
Vontade de gritar ao mundo,
mas que desejo,tão FORTE este novo querer.
Doce voyeur o querer humano.
Mas quem fica para nos ler?
Mas quem fica para nos ver? Será que interessa o sentimento a alguém?
Vou dar a novidade de um novo sabor a ti?
Resta-me o anonimato dos sentimentos, quem não sentiu dor e amor?
Contar o filme revivido é tão mais aborrecido que criar o existente.
Sem esse inexistente para viver, debaixo desta luz mais antiga que há para fazer sem que seja tão aborrecido?
Somos tantos que nos vimos, quem mais se fica por fazer o nunca visto?
Amor e dor, coisa tão comum que quase sufoca.
Não há quem não o tenha passado.
Ninguém sente pena.
Ninguém te vai acalmar a dor ou dar amor coisa tão passageira e usada por abuso de um velho adulto que já viveu e aborreceu.
Aborreceu, aborrecemos, ficamos aqui a entreter o tempo.
Vamos escrever com as mesmas letras de sempre o quê?
Algo de novo debaixo do sol?
Algo novo ao meu lado?
Individuo tão simples que és tal como eu, não vais sentir melhor ou pior. Não importa como o digas, é tudo igual e banal.
Somos iguais.
Somos banais.
Somos simples.
Tristes animais que se fazem demais.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

É sempre com dois cafés

Começou tudo quando fui trabalhar para a grande cidade, fui através do contacto de um amigo meu, era um projecto simples que iria durar cerca de 6 meses. Instalei-me dentro de um T0 amarelado que tinha como conteúdo uma cama, uma mesa, um sofá e um frigorífico sem congelador.
Não discuti muito sobre o espaço visto que o trabalho era extenso, a cama necessária com um frigorífico vazio complementava-se com o sofá para amontoar toda a roupa enxovalhada. Alimentar-me ia num qualquer café ou restaurante, pensei eu, logo depois de meter os pés em cima do tabuado ruidoso, menos trabalho em comida.
De manhã a rotina era simples, saía de casa para tomar o pequeno almoço sempre com pressa, tentando espremer a vontade de espreguiçar o sono pelo acto de lanche matinal, rabiscava o sudoku nas traseiras do jornal gratuito, nunca o acabava. Lia as manchetes do jornal nacional na televisão e ouvia os lábios da pivô a mexerem-se sem nunca a ouvir no meio da confusão de cheiro a torradas e café.
A empregada não era muito prestável, andavam todas de boné, rabo de cavalo, não a olhei nos olhos, ninguém presta atenção a nada até chegar ao trabalho, estar ainda a dormir e olhar alguém nos olhos é falta de educação. Lá deixava uma nota próxima do valor e quando o troco chegava levantava-me sem boas educações, estava muita confusão e eu ainda tinha preguiça de fazer tudo o que fosse preciso para ser alguém ás horas apresentadas.
Fui sendo assim, fiz o meu papel durante a semana, dormitava enquanto a empregada me trazia o café e a única pessoa que olhei nos olhos foi o meu reflexo para me pentear.
Ao segundo dia choquei com uma senhora, pedimos os dois desculpas e continuamos o nosso caminho, eu segui para a linha verde e comprei outra vez o cartão do metro que fazia por perder, odiei ali naquele momento as cidades, tão impessoais, eu que odiava as terras pequenas porque existe sempre alguém conhecido a quem falar, interrompem sempre o raciocínio.

Uma noite eu e o meu amigo fomos aos copos, copos valentes, bebidas pesadas, ficámos tão dispersados do plano inicial da conversa de trabalho que acabámos perdidos numa rua do outro lado do rio. Ao fim de meia hora de conversa, sem muita vontade de se fazer sentido, decidimos que a melhor forma de ir para uma casa seria de taxi, achei que morava do lado de um rio, e que estávamos nesse lado, ofereci guarida na minha cama e prontifiquei-me ao sofá.

Na manhã seguinte acordamos a altas horas, sem água nem a saber onde estávamos, passado algum tempo de auto controle nas pálpebras decidimos que o melhor seria o pequeno almoço agora que o sol marcava a sombra mais pequena.

Hoje não ia trabalhar, por isso olhei o senhor do café que me deu um bom dia, ao que parece ele conhecia-me, pedi uma mesa para dois, ele indicou-me a mesa habitual, não fazia ideia que tinha mesa habitual, possivelmente era sempre a mesma, eu um animal de hábitos. Chega o café e a empregada era a mesma, tinha os mesmos ténis dos outros dias, agradeci enquanto agitava o pacote de açúcar de olhos postos no meu amigo que fixava a empregada. Assim que ela se retirou, o meu amigo deu uma gargalhada, fez-lhe certamente doer a cabeça pois parou logo de seguida agarrado à testa com os olhos esbugalhados. Não percebi de onde tinha vindo ideia tão ridícula naquele momento, daquela boca, assim:
Não viste quem era?
Eu? Sei lá quem era?
Era a Sofia!
Sofia? Qual Sofia?
Tu tás a gozar comigo? Aquela Sofia? A Sofia!
Não percebi bem, levantei e bebi o café sem perceber de quem falava.
A Sofia a quem tu ias morrendo preso na vida?
Atingiu-me quem ele falava, subitamente o meu coração desatou apressadamente a bater em pânico sobre quem ele falava.
Sim já vês quem é? Sete? Oito? Quantos anos? Tu nunca mais tiveste nada sério depois disso pois não?
Cala-te! Ordenei, em pânico resignei-me aos meus pés. Era um óptimo amigo quem se mostrava agora diante de mim a relembrar-me o passado, espicaçava-me com lembranças.
Não tiveram para morar juntos? Porque acabaram?
O meu coração acelerava.
Quantos anos estiveram juntos? Três? Quatro?
Era demasiada coisa para relembrar, e a minha cabeça tão pesada não gostava nada, nada do que se avizinhava.
Olha vem aí, repara, é mesmo ela.
E era, sim.
Bem, deixo-vos a sós, certamente têm muito sobre que falar ao fim de tanto tempo, acho que hoje pagas tu o café, ATÉ À MANHÃ!
Que grande amigo, deixou-me sozinho, provavelmente a espiar de um lado qualquer e a rir à gargalhada segurando a testa.

Quando ela veio não tinha outra hipótese senão olha-la nos olhos, nesse momento ela reviu-se, reviu-nos. Deve ter acontecido algo, ou então não aconteceu nada, porque os dois cafés mantinham-se nas suas mãos sem tremer, talvez o que tenha tremido tivesse sido o seu olhar.
Eu disse um ola tão sumido e medroso que não sei como ouviu.
Ela olhou-me, agora mais calma, e disse outro ola.
Tentava-me lembrar de qualquer tema de conversa ou algo em comum para trazer ao de cima o todo quando éramos um. Não me lembrava de nada, não era pânico ou atrofio mental, subitamente depois da surpresa da memória, fiquei inundado de um vazio presente sem passado. Eu já não me lembrava de nada, eu quase que casei com ela, e agora não me lembro de nada para lhe dizer.
Ela fixava-me, de olhos cansados como se olhasse qualquer outro cliente, mas como se o conhece-se à muito tempo, ela lembrava-se de mim, mas não dizia nada.
...
Ela também não se lembrava.
...
Cumpri a função do primeiro "olá" com um mais firme "Tudo Bem?", agora não sabia onde me agarrar e onde isto ia levar, porque eu já não sabia com quem falava.
Ela assentiu, fingindo-se apressada, replicou um "Está tudo bem, espero que tenhas gostado de isto" olhou para cima, "espero que esteja tudo bem contigo também".
Fiz um meio sorriso como afirmação que se desvaneceu quando ela deu a meia volta, ela esqueceu-se de cobrar os cafés, levantei-me e deixei uma nota de 10 para o pequeno almoço de dois cafés.

Atravessei o café em direcção à saída.
Fui dar com o meu amigo encostado na sombra do edifício no outro lado da rua agarrando a testa, mas não nos observava, olhava somente o café de onde tinha saído.
Já viste?
Apontou para onde olhava. Sentei-me ao seu lado e olhei na mesma direcção.
"O canto da Sofia" dizia por cima da porta.
Pois.
Então falaram de muita coisa? Vão se voltar a encontrar?
Não.
Não?
Não, saí logo de seguida. Já passou tanto tempo que não há nada a falar.
Não falaram de mesmo nada? Porra vocês iam casando!
....
...
...
..
.
Depois da pergunta.
Relembrei-me de umas leves memórias em quartos perdidos, juventude esquecida, amigos longínquos, lembrei-me que éramos um.
Duas almas num corpo. Com o sonho de não deixarmos nunca de ser um.
Lembrei-me do que havia esquecido.
Disse ao meu amigo.

Bem, falámos que estava tudo bem.

Levantei-me e segui rua abaixo, nunca mais lá voltei.
Não sabia falar com o meu passado.
Tinha medo de lembrar que me havia esquecido.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Pai e filho

Começa.
Tu e eu.
Pai e filho.
Vamos os dois beber um copo à aldeia sobre a serra, fica o carro aberto, não há velhacos em tanta demasia por aqui.
À saída, a surpresa, um pilantra leva apressado do carro uma das carteiras, documentos e papelada que falta faz de tudo o que lá está.
Filho da puta do gaiato.
É um gaiato, filho de ciganos, fujo e apanho-o a custo, uma bofetada bem dada chega para o derrubar da fugida da bicicleta. O rijo levou dinheiro, cartões levou tudo!
Fraco corpo, caiu na corrida da bofetada, tem um osso à mostra, o chão espalha o que é nosso, do puto fica aberta a nova cicatriz que lhe vai lembrar para sempre a quem rouba.
Ouvem-se os ciganos ao fundo a dar o alarme, Bateram no filho do Tói, Mataram o gaiato!
O taberneiro, nada sorridente agora como quando serviu uma média suada, grita em pânico atrás das fitas, Fujam homens, vocês fodem um cigano em terras destas, em menos de um farol a família toda fode o vosso couro.
Não conhecendo o local de passeio para fugir, meu pai liga o carro, eu apanho tudo o que era nosso, cartões papelada notas espalhadas e carteira, fica o ciganito a berrar tal qual um borrego sem mãe, poça de sangue e uns trocos deixados pelo chão, uma gorjeta apressada pelo serviço mal feito, triste quadro.

Mais à frente.
Para-se o veículo para ele recuperar o fôlego e alguma da gasolina tão mal gasta pelo susto e pé a fundo.
Insisto ao meu pai que pago os litros, a culpa da bofetada foi minha, foi força mal medida, ele não discute, contrai-se em discordância e de silencio firme aponta sua posição sobre a minha teimosia.
Meu pai atesta, eu pago, aguardo a preguiça de um funcionário tipo de uma bomba de gasolina no meio do nada.
Se viessem mais pessoas tinha mais pressa.
O lento conta os trocos e a meia nota.
Antes do PUM. Um sexto escondido sentido, olhei a medo para a janela, e um cigano desfaz o crânio do meu pai pelo ar, pinta o carro branco de vermelho vivo.
Meu pai.
Nem pensei no segundo cartucho que uma caçadeira de dois canos tem. Dentro de um segundo corri ao cigano sem fazer presença, levantei a espingarda e tiro ao ar. Segundo PUM, ouve-se o apito longo só para os meus ouvidos.
O cigano nem sabia quem eu era com tanta surpresa, assustado tira uma pistola do cinto, eu fico com uma caçadeira sem tiros que rapidamente foge de encontro ao chão.
Pistola apontada ao ar por quatro mãos, o espanto dele tem menos força que a minha raiva cega.
Ficamos homem a homem encarando o focinho um do outro, ganho eu o punho da arma e o cão, já o cabrão fica com o cano e a bicuda mira no seu estômago.
Nunca pensei de um gatilho ser tão pesado, tão pesado, tão pesado, tão pesado...
e cede.
Ao terceiro PUM, o homem cai e o silencio fica indiferente aos que aconteceu.
Isolado numa serra sozinho para a vida, olho em volta sem saber que pesadelo me trouxe até aqui, espero acordar deste sonho, acordar na minha cama tardiamente num fim de semana, almoçar com meus pais a ver televisão e esquecer tudo o que não aconteceu.
nada disto aconteceu, é só um sonho.
Vou acordar, vou acordar.
E entro na bomba de gasolina, o outrora lento grita, FOI TUDO GRAVADO, Foi tudo gravado!
Mando-o à merda, ele que faça para trás e apague o que aconteceu.
Ele não me entende e vira o televisor para mim, tem o ecrã dividido em duas partes iguais, à esquerda jaz um cigano e meu pai junto a um carro numa estação de gasolina vazia de vida. À direita dentro da casa casa junto ao balcão está o lento de frente a apontar, eu de costas encarando um televisor, dentro desse televisor à esquerda dois homens mortos,  à direita dois homens vivos, o que está de costas encara um televisor, dentro desse televisor estão duas partes, à esquerda dois mortos, à direito dois vivos e um televisor, dentro desse televisor...
...
...
Viro o corpo e uma infinitude de gente viva vira o corpo cada vez mais infinitamente pequenos...
Sobrepõe-se a garganta dorida.
Sobrepõe-se o sabor a cartão.
O escuro.
Acordei.
Quarto em dia de janelas bem fechadas.
Bem vindo a casa.
Será verdade?
Vou chamar meu pai.  

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Sem intenção


Junto á praça principal existe uma igreja, é a igreja mais movimentada da cidade, todos os dias há casamentos, velórios e baptizados, nunca se cruza um casamento com um velório, talvez porque as pessoas nunca casam de noite.
De noite é muito mais sossegado, de noite o choro é abafado, não vá o grito do lamento estender-se até ao nascer do dia.
Junto á igreja existe uma beco, ele vai dar ás traseiras da igreja. Um templo por pequeno que seja, vai criando seus desperdícios, sejam os óleos do baptizados, flores, as velas queimadas ou os papeis de rebuçado que as crianças comem ás escondidas na igreja.
Prazer santificado, conseguir estar calado e sentir o calor de um doce quando todos rezam, uma criança notável esta que parece não bocejar quando cantam o sermão.
Não são muitas as crianças que comem rebuçados na casa do senhor, não são muitas as velas que ardem ou flores que murcham para encher um saco do lixo, o sacerdote esse é preguiçoso, as beatas varrem-lhe a igreja e levam o lixo para casa, as velas as flores e os papeis do rebuçado escondido, cabem ao senhor padre. Leva cerca de uma semana ao senhor padre a encher um saco do lixo, se fosse por ele, levar-lhe ia mais tempo, não são raras as ocasiões que pede ás velhas beatas para levarem o lixo para sua casa, quando lhe perguntam se podem levar ás traseiras da igreja, ele diz que não costumam ir lá buscar o lixo, mesmo sabendo que é mentira, então as senhoras vão buscar o saco que está na Sacristia e levam o saquinho empanturrado todas cheias de orgulho por ajudar o homem de Deus. O dito beco, não é favorável ao senhor padre, ele não gosta de lá ir, ainda que tenha dois enormes contentores, cortesia da câmara municipal, nem padre nem lixeiro lá vão muito.
 O senhor homem do lixo espreita no escuro do dia, se encontra o vulto de um saco, corre a medo e retira o lixo, depois gaba-se aos amigos colegas, não vão ouvir queixas do padre graças á sua coragem. Entre a praça e igreja, há um beco, é tão profundo quanto o edifício que lhe faz sombra, é um sitio sossegado, raras as visitas que trazem vida ao escuro são o padre e o senhor lixeiro.
É um óptimo sitio para se estar, ouve-se ao fundo a multidão de turistas e a alegria do matrimónio, de noite dorme-se melhor, as pessoas nos velórios fazem pouco barulho, talvez para não acordar os mortos. Foi por isso que ele escolheu esse sitio para estar, não para viver, não se vive num beco. Não faz falta a vontade de ninguém, olhar critico ou esmolas vazias de compaixão. Ele escolheu viver ali porque tinha de sair das praças, sair das igrejas, sair dos trabalhos, sair da vida. Então escolheu um sitio para estar. Ninguém excepto o padre ou o o lixeiro visitam o beco de uma igreja, são todos hereges excepto casamentos, baptizados e na hora da morte, mas quando vivos existe um respeito muito grande pela escuridão provocada por uma santa casa. E ali estava ele, sempre relembrando, com medo de encontrar, foi para ali com um simples motivo, ali não incomodava alguém por encontrar ninguém. Eram muitas as caras conhecidas sobre a multidão, eram muitas as ruas sem saber quem encontrar ou quem o podia observar. Fazia-lhe uma certa aflição encontrar numa montra a surpresa de não encontrar a presença que o afligia. Não interessa a quem casa, a quem nasce ou quem morre, os problemas de um velho, mas ao velho interessa sua vida, à tanto tempo desprovido dela, sufocava dentro do destino, sem ar para viver, se não o podia fazer tinha que arranjar uma forma de sair da vida. Foi assim que o fez. Decidiu estar. É um beco esquecido que ninguém quer lembrar ou visitar, ali pode estar, sem vergonha de dormir ou pensar, ele fala sobre sua vida, ele fala do seu passado, ele fala que pensa para si, uma vida de tanto tempo por tão pouco vivida. Estar por estar, não faz diferença aos outros e não o aflige a ele, escondeu-se ali para não mostrar quem realmente era, hoje, não se esconde, já não se procura, faz parte do escuro. Não há caras que lhe tragam aflição, ruas cheias de montras de surpresas, praças cheias de gente sem saber quem lá está. O velho esconde-se lá bem na noite para lembrar que foi esquecido o seu lembrar, todos os dias olha o silencio de quem lhe não fala, afaga a noite pelo cego sentido de não ver mais que breu.
Quando os sinos dobram,
em casamento sorri, foi finalmente feliz.
Quando os sinos dobram,
em baptizado sorri, foi finalmente feliz.
Quando os sinos dobram,
em velório chora, não chegou a sua hora. 
Ao homem que ama, está pela vida sem viver ou sofrer a partir do momento que decide a si que não tem lugar dentro do que deixou em seu passado.
Uma vez por outra grita. 
QUEM VEM LÁ? 
Não é mais que o senhor padre. 
Resmunga irritado por acordado do seu estar, resigna-se então da vida e volta ao seu refugo. 
Desculpe-me senhor padre, pareceu-me ser outra pessoa. 
E quem mais o visita posso perguntar? 
Alguém a quem eu já não posso interessar. Não ligue, coisas de malucos, 
volte à sua vida deixe-me estar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Homem Nu

Porque sais sempre do quarto nu quando podias vestir uns boxers, adoro adorar saber que as pessoas te odeiam. Ninguém gosta de espreitar pela tua janela e ver um adulto velho com a barriga descaída a descer as escadas encontrando os restos de miolos e cotão que se vão pegado aos teus pés.
Podias desligar a televisão quando te deixas dormir no sofá, ou quando te deixas dormir e a comida cai ao chão, podias ao menos apanhar o prato e não deixar o bolor crescer.
Ninguém gosta de te espreitar pela janela e ver um homem adulto tal como veio ao mundo, com barba por fazer e a cara encostada à parede amarela, enquanto te babas e deixas escorrer a urina pelo chão que te aquece.
Se esperas que alguém te acorde do teu sono, não tens fé no que te lembra ser homem.
Gosto como fazes companhia com as ratazanas e restantes aranhas.

Não faz muito sentido alguém olhar pela tua janela para te ver.
Mas um dia vais ser velho e vais saber,
O porquê de viver,
se tanto tempo passou a tanto que foste
e tantos te ensinaram o que não dá para entender.
Ninguém te o vais explicar.
Por mais que te goste,
Calha te a ti morrer.
Nunca vais perceber, podias tentar.

Ninguém se dá a atenção a que se merece.
Escolhes-te então por ti o fim.
Em merda, mijo e sangue
fica a vida que foi,
hoje, longe de mim.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Espera por mim. Vá lá. Espera, por favor.

Porque vais tão lá à frente? Espera...

Estou cansado de me consumir a mim mesmo...e assim
não te apanho.

Vá lá, peço-te que esperes. Só mais um pouco...

Recua...

Deixa que analise tudo. ( - Depois. Só depois é que continuas)

Esperas...?

( Stop)

By. X.y.u

segunda-feira, 14 de junho de 2010

meta-para-fraseado des-sentido

Não imaginas quantas pedras eu virei para saber o que estava dentro de tudo aquilo que não sabia.
(...)
Não sabes porque me deitava todas as noites e não fechava os olhos.
(...)
Não contaste os gritos que soltei em tuas costas quando perdido chorava.
(...)
Não realizas que a minha vida não fez a tua.
(...)
Em chão frio dormias de costas voltadas para mim.
(...)
Devias saber que não faço por lembrar.
Não quero.
Sabes que faço tudo para não me esquecer?

terça-feira, 25 de maio de 2010

Dia vinte e três de Maio do ano dois mil e dez.
Já faz muito tempo que não escrevo a data por extenso, são seis horas da manhã e cinquenta minutos.
Duas linhas que se ocupam simplesmente com o saudosismo de escrever a data e a hora.
Hoje talvez esteja um belo dia, não sei apreciar bons dias e muito menos hoje que decidi não viver o dia, não me apercebi de repente, não premeditei qualquer decisão para este presente, simplesmente acordei em mim e notei que a decisão de hoje não viver foi decidida por mim sem qualquer decisão dada por mim.
Não dormir ou passar pelas brasas, não comer ou fumar um cigarro, não descansar ou aprender, quanto mais sentir vontade de prazer.
Com tanto sol crepuscular e poucas nuvens o calor que me atravessa não passa de um formigueiro numa madrugada tão subtil como esta.
Não me vou levantar nem para cagar ou para mijar, por muito que o quisesse, agora já não quero.
Não faz muito sentido viver quando decidi não o fazer sem mágoa ou opinião.
Não há arte em dia contemporâneo que me liberte de uma suspensão destas que me caiu em cima.
Não o vou escrever, deus (que não) me (existe) livre, não me apetece porque não, não sei se penso o que é ser eu ou uma outra coisa qualquer que fui ou vivi.
Se me existo, por quem fui ou vou ser, sem lembrança ou existência do fazer.
Que mais há agora a fazer, senão ser.
Não decidi morrer não.
Mas o que?
Também não vou fazer perguntas, decidi não perguntar, muito menos decidi tirar conclusões, ou não as tirar.
Não tirei nada ou queria, nem queria não querer.
Veio pela manhã lentamente com o sol a decisão sem minha opinião de decidir em não viver quanto mais morrer.
ser?


quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ensaio de um anormal sobre a loucura

Não estou louco, não. Não acho que o seja. Mas quem o é diz sempre que não o é.
Arranjei emprego, sim emprego não trabalho, a guardar algo que ninguém quer roubar, aqui tudo faz sentido. Arranjei amigos, um formigueiro...ninho de formigas?
A princípio tapei a entrada, no dia seguinte fui lá e vi que tinham uma nova entrada, fiquei feliz por criar uma nova dinâmica no formigueiro, pedi-lhes desculpa, retirei a pedra e o cigarro que tinha colocado para tapar a entrada, de forma a lamentar-me ainda mais matei uma "vaca-gorda" (uma espécie de formiga gigante com um rabo enorme) e meti-a junto à entrada. Quando voltei para fumar um cigarro fui visitar as minhas amigas, a vaca já não estava la devia ter fugido, não a matei muito bem com a bota. Empalei um escaravelho e deixei-o com o seu pau junto à toca, a princípio no frenesim de ir lá para fora viram o escaravelho e fugiram, voltavam para dentro a medo, sei que era medo porque eram muito rápidas, ou talvez fossem chamar as outras.
Antes de acabar o meu cigarro, visito-as sempre quando venho fumar, já o escaravelho sem pau tinha sido engolido pela toca juntamente com mais meia dúzia de formigas .
São amigas, animais de estimação, são formigas e ri-me quando fugiram a medo da oferta, não estou louco, não porque ninguém viu. Se alguém tivesse visto um gajo vestido de respeitável vigilante com gravata a rir de formigas, tinha-me chamado maluco.
A maluquice e a loucura são sinónimos?
Se alguém aparece-se eu não me ia dar ao trabalho de contar a história toda.
Ás vezes levanto-me para fazer uma ronda, só porque sim, para esticar as pernas, e quando me levanto esqueço-me de como se anda, então paro e fico com vergonha de que vejam um homem adulto a tentar andar, depois lembro-me que ninguém por aqui aparece, e tento andar ciente de parecer uma puta a abanar o rabo ou um palhaço de pés grandes.
Enquanto-me desloco esqueço-me de que me esqueci de como andar, e depois lembro-me que não sabia, agora, pé ante pé pareço um palhaço abanando o rabo que nem uma puta, uma puta palhaço...sim...
Estar sozinho durante muitas horas tem uma vantagem, ninguém vê as calças rotas no rabo, não porque ainda não sou gordo, mas porque me estavam apertadas e eu escolhi as primeiras que me assentaram.
Não é só porque ninguém me vê o rabo, é porque aqui raramente chove.
Ninguém estranha que esteja enfiado na casota quando faz sol, e que esteja de nariz empinado na rua quando chove, porque quando chove cheira a terra molhada, eu venho cá para fora, faz-me bem, sabe bem, cheira bem.
Toda gente gosta do cheiro da terra molhada, talvez porque trás um pouco da loucura de alguém e lhes dá uma nova liberdade do seu eu.
Cá eu não sou louco.
Aqui para passar o tempo lê-se, desde as instruções do extintor a manuais de máquinas velhas, também livros, li um que dizia:
"Sempre defendemos que anormal não pode ser tomado como fora do normal com critério estatístico puramente a norma.
Propusemos antes uma perspectiva pragmática: Tudo o que promove ou favorece a realização do homem e como membro da sociedade é normal, e anormal o que impede ou prejudica essa realização."
Pós-fácio, Prof. Dr Luís D. Santos In «O caso clínico de Fernando Pessoa» Mário Saraiva.
Tive que ler isto várias vezes, porque eu, não estou dentro desta sociedade não estatística que o doutor amigo do doutor disse, nem da estatística, a dos médicos.
Pareceu-me tudo despropositado e cheio de gíria, achava já eu que os anormais eram os doutores, vinham à um livro inteiro a dizer coisas interessantes do F.Pessoa e agora atirava para ali com loucuras.
Fui lá fora porque me pareceu ouvir um carro, mas era o vento, é sempre assim, nunca é um carro, ele começa por soprar de lá bem longe a abanar tudo, até que chega até mim a fazer barulho só para ver se estou atento.
Quando entro percebo que os loucos podem estar certos se perdermos um pouco do nosso tempo e tentarmos perceber o que querem dizer, foi aí que o Sr. Doutor dizia começou a fazer sentido.
Se cada um tem o seu mundo próprio não existem estatísticas suficientes para que uma sociedade normal subsista com tanto anormal.
Acho que o Dr. é anormal não louco só anormal, porque tenta pegar nos verdadeiros anormais e fazer deles normais, sendo todos normais não é possivel que uma verdadeira sociedade seja uma sociedade só com normais.
Eu não sou anormal, tenho uma normalidade exterior só para as pessoas verem, porque como toda a gente tenho medo de que vejam o pouco de anormal que tenho dentro de mim.
E quem vai ouvir, ler o que diz ou pensa um anormal?
Quem vai tentar perceber ou reler?
Talvez eu seja anormal sim.
Tenho o meu mundinho, cheira bem, brinco com formigas, irrito-me com o vento e tomo banho à chuva de calças rotas.
Se um dia-me aparecer por aí um louco, vai-me dizer que não é assim que se fala com as formigas, ou então não se vai dar ao trabalho de explicar para não parecer anormal.
Se a sociedade fosse pragmática era tudo muito mais aborrecido.
Assim, cada anormal com as suas loucuras.
Cada "normal" finge que o é.
Cambada de hipócritas não é?
Talvez...Se eu fosse ler tudo o que penso, ia achar que sou um anormal

domingo, 2 de maio de 2010

Tulipas



Não.
Já não sei o porquê, de em todo o lado me encontrar sem ver nada mais do que eu.
Embriagado de mim, sobre minha deturpada consciência, revejo-me sem mais nada do que sou, a todos os locais onde sempre fui, levei comigo uma lembrança tão antiga como meu sofrimento.
Revia uma tão triste e melancólica imagem num espaço tão lindo como uma montanha que devia ser só minha, na praia que deveria embalar-me no mar, no mar que é o Tejo hoje só vejo sua imensidão.
Em todo o lugar que me presenciei senti um luar tão constante e atormentador dentro de mim.
Hoje, apresento-me em crepúsculo numa manhã de domingo, sem relembrar o saudosismo da minha alma mais do que a mim me lembra o ser eu.
Hoje vejo o que o passado não era.
Se esquecemos o que vivemos?
e não é triste?
Sim, isso é conversa para outro dia.
Hoje?
Hoje sei que a saudade não entorpece a alma, ou desata ou ata o coração, hoje só sei que a saudade me lembra a leve lembrança de tulipas.
Hoje vou comprar Tulipas à minha mãe.
Só porque sei que são bonitas.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O traumatismo do amor

Século contemporâneo, tão perdido em si como todos os outros passados.
Crianças tão jovens, mestres do viver em tão pouca tenra idade.
Vivendo-se uns aos outros, entregando seu coração, a uns quais queres desgraçados!
Aproveitam-se também da paixão de terceiros sem qualquer piedade...

Vivem cedo,
tanto e tão intensamente sem medo,
que envelhecidos sem coração deambulam perdidos,
vivem mortos sem de si mesmos saber,
na ausência do lembrar,
porque na pressa de viver,
com medo de cedo morrer
não aprenderam a verdade da palavra:
amar.

Pobre triste geração.
Vive traumatizada pelo amor,
porque um dia, alguém lhes ficou com o coração,
talvez devido...a na altura não lhe darem valor.

Mitghefüll

terça-feira, 16 de março de 2010

Pária mal parida

Triste pária
Parida por uma puta.
Essa puta a quem chamamos vida.
Sua filha d'uma granda puta...
.....
.....
.....
Pobre pária.
Quantos trocos te deram para a emprenhares?
Tanto a puta como a filha-da-puta,
têm a a ganhar a puta da vida,
como?
Sendo putas está claro!
A puta, la vai tendo suas filhas-da-puta,
as bem paridas, grandes filhas-da-mãe...
Vão ser putas....
E ninguém pensa na pobre pária? (a paria da puta)
Que de pária mal parida e filha da puta,
nem a puta pode chegar?
Coitada...nem á vida vai chegar...
mal parida esta filha da puta da pária,
claro sem pátria...morre.
Triste puta de vida.

Que história fodida, que não te mói...não, não és puta, não tens irmãs putas
e tua mãe não é puta!
É tudo tão fora quando não somos nós.
Lembra-te que a puta é mãe e a pária mal parida é filha de uma puta.
Todos nós temos mãe.
Vocês não percebem?
Putas são as outras e nunca nós?
E se fores tu? Consegues? E se for a tua mãe?
Tiveste tanto direito a escolher a tua mãe, como a filha da puta.
...
VAI PÁ PUTA QUE TE PARIU!
SEU FILHO DA PUTA!
SUA MÃE DE FILHAS PUTAS!
Nem a uma párias das a puta de uma vida?
Uma pária mal parida...
Vai para a puta, essa vida que te pariu

sábado, 13 de março de 2010

Poema giro

Querido passado que te lembro
querido nublado te interrogo:
quem és tu? o eu?
(...)

Não me recordo
Se o que és? eu, fui?
Se me esqueci?
Morri!

Triste, triste, triste...
Triste, triste, triste...

Era um passado tão bonito,
mas nem por isso muito antigo.

Ficou-se pelos ontem, sem amanhã para lembrar
Já sem histórias para contar.

Oh triste passado
fostes nos esquecer, eu e tu
Tão lindo, na altura presentes
era uma surpresa todos os dias
abrir teus laços contente.

Oh passado passado, meu pedaço que vivi
quem és tu senão eu,
a minha parte que esqueci
o pedaço que de mim morreu.

quarta-feira, 3 de março de 2010

O fado sobre o Rei

Sobre um reino de época medieval, existe um rei que espalha a ordem e as leis com uma disciplina severa, não porque haja somente a necessidade da ordem sobre o caos, mas tambem porque o seu desejo e saber de ter poder sobre a morte dos seus súbditos, na forca, esquartejados, empalados e até crucificados, lhe dá prazer.
Este rei, tinha fama de louco, era temido pelos inimigos e medrosos aliados, pelos sete cantos do mundo tinha no seu reino o maior respeito glorificado pelo terror.

Sendo este reino mantido pela sua ordem, o glorioso louco psicopata, padecia de um problema, a sua infertilidade impossibilitava-o de continuar a sua linhagem, sozinho de família, tendo morto todos os seus irmãos com medo de ser usurpado do poder, ele via-se num problema, pois sem descendente não seria possível manter a suas fronteiras, mantidas pelo medo, muito tempo após a sua morte.

Foi através dos seus conselheiros que soube da noticia de um velho ancião que residia a norte junto ás montanhas. Pelo que diziam tal velho era mestre das artes brancas e negras, após consultar os mais avançados médicos do seu tempo, não restava ao ditador solução melhor que mandar chamar este velho ancião aos seus frios aposentos.

Após uma cuidada discussão, o rei ficou a saber que a razão da sua desgraça era uma maldição resultante das suas impiedosas acções sobre os seus súbditos, a única forma de uma maldição com este peso do destino fosse levantada era o rei tornar-se bom.

Após longa meditação, o rei decidiu mandar chamar um homem que havia sido condenado por não pagar a metade da sua colheita ao rei.
Ao camponês de pobre instrução foi mostrada a seguinte opção:

-Tu, que sabes que sou conhecido por reinar de forma impiedosa, vou te dar a minha piedade, dou-te o meu poder sobre a tua vida, a opção de escolher a Vida ou a Morte, em cada uma das minhas mãos fechadas, está um papel dobrado, dentro de um está o teu fim, dentro do outro minha piedade.

Um camponês criado toda a vida sob o sol, não conhecendo algo mais que a desconfiança e sofrimento, ponderou rapidamente sobre a sua opção e escolheu uma mão.
Pegou no papel e sem o dobrar, atirou-o à fogueira face á cara de terror do rei.

-Então agora meu rei, mostre-me o que ficou na outra mão.

O rei impávido mostra na sua mão o papel onde se lia "MORTE".

Com tanta raiva por não conseguir enganar o destino e um simples camponês, o rei manda crucificar o pobre homem na praça central com a inscrição
"Oderint dum metuat"*
Accius - Suetonius Gaius 30

Sabendo do fim do seu legado após a sua morte, o rei continuou a sua loucura até ao fim dos seus dias. Após a morte, não tardou muito a que os outros fracos vizinhos invadissem o antigo reino do terror, ao chegarem à tumba do temido morto encontraram a inscrição.

"O destino foi criado por nós, nós somos o que criámos, nem nós podemos alterar o que de nós fizemos"


*"Que me odeiem, contanto que me temam."

N.A: Não sei a origem verdadeira da história, só a parte da escolha do súbdito foi-me contada por um cliente uma vez em conversa de ocasião, entretanto tenho procurado por tudo o que é sitio e pessoas esta história, não havendo registo em lado algum, decidi criar um pouco à minha mão a partir daquilo que me contaram.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

RE-Lembrar Re-Esquecer


Vivemos, dia a dia uma vida tão destemperada do EU, Ontem, Hoje e Amanhã.
Aprofundamo-nos em nós mesmos a cada dia, presos no presente.
Um tão pesado viver no sofrimento.
Tão leve vida de felicidade.
Lento sofrego de infeliz viver, pedaço a bocado.
Rápido e fluido no sorriso, vivemos toda a vida sem a ver passar.

Agarrados querendo ser, não o que fomos ou somos, mas o sonho de um dia ser.
SER.
O quê?
Deliciando a cada segundo o degustar máximo da vida, no dia a dia, hoje o sentimos.
É um tão grande absurdo o ontem que foi.

(
Ninguém se lembra já do orgasmico sabor do banal bife de um tal génio cozinheiro, tinha um molho tão combinado de nectáres que os Deuses salivavam no Olimpo por esse novo maná.

Aquela bela paisagem de cortar a respiração nos Alpes suíços, não passa somente de uma referencia supérflua na nossa memória.
Uma vaga...imagem com nevoeiro....estaria nevoeiro...ou sol....
)

Ontem o viver foi.
Hoje é o que se sente, sente-se o ontem por ter, sem o sequer lembrar ou relembrar. Criando a cama do amanhã que me destruirá o hoje com seu presente viver.
Virá o futuro sem o hoje presente ou qualquer ontem lembrado.
Que viver tão absurdo, nós que criamos e marcamos o que está destinado a ser esquecido?
Talvez a memória se esvoace para não nos prendermos ao hoje..ontem...passado...todo o nosso pretérito de imperfeições lembradas...

Talvez existamos agora somente.
Tudo o resto não passa de livros amontoados, que por vezes nos caiem aos pés por cheiros ou caras, ambos de nevoeiro relembrado.
Tudo o resto já não existe.
Não o é.
Foi.
Viver realmente não pode ser tão triste assim.
A vida só é vida com memória não esquecida.
É triste viver...esquecer...
Talvez...
Amanha não lembre esta tristeza.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Outro

Triste ser que habita comigo.
Triste verdade que me não tem.
Viver em mim, sem eu não ser.
Ser sobre todos outros seres que o não são.
Oh se eu pudesse não ficar, não querer.

Tenho-me falta.
Que não sou ou nunca serei.
Ficarei o nunca perante a vida feliz.

A viver.
Que viver era estar preso num criar,
o precisar de ser
um maior ser,
Feliz.

Aquilo que os outros são,
Conseguem ser.
Outrem.
Talvez.
Sempre longe de ti.
de mim.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Fardos a carregar no limbo

Que não se entende,
isso se entende.
Não há razão aparente sobre tudo o que nos habita.
Perdão!
Que me habita.
Vejamos...
Não há ser no total que se tenha em bruto sobre si....
Digamos...
Quem se tem a ele nesta vida ciente de si e todos os outros?
Compreenda...
Querendo ser eu, o eu, nunca o será, nunca me serei.
São fardos, fardos meu senhor, demasiado pesados sobre mim, afinal ainda que eu os tenha criado, são fardos a carregar nesta vida de excessiva mente desvalorizada em si.
Já lho disse...
"Tenho perfeita consciência de que não irei conseguir manter minha perfeita sanidade até ao fim da minha vida", breve vida?
Bem mais longa que a vivida...
Ra-ci-o-na-li-ze--mos então!
Observemos um objecto feliz, em si.
Sendo ele, ele o é, sem exceptuar nada ele é feliz, é algo fora do seu verdadeiro ser. Feliz não se metafísica, ou realiza sobre o que o rodeia, tem uma vida tão simples e triste que para nós...infelizes..bem.. é um feliz, pobre de mundo e rico de si com todas as mais variadíssimas coisas que a felicidade nos trás (amor, dinheiro, rotina, inconsciência...), as coisas que nos trazem a felicidade, mais conhecida por doce ignorância, vista pelos tristes e infelizes o sonho a alcançar.

Sim... Os tristes calejados que têm pena dos tristes e felizes ignorantes, eles davam o céu e a terra pela neblina que os despercebidos de vida vivem na felicidade.
No fundo do poço existem, na deprimida podridão humana, congelados no frio criado em seu coração, temperaturas depressivas que nem sempre os mantêm vivos. Eles anseiam na fria escuridão pela pequena e sumida luz que se desfoca nas lágrimas, o calor feliz da felicidade.

Este sonho assombroso por alcançar ensina aos tristes a verdade do que a vida é.
O frio existe para nos lembrar que estamos vivos.

Aquele ser feliz de que à pouco lhe falei vive, tão feliz e ignorante do sol que o banha como se de uma pedra se tratasse.
Os tristes infelizes observam este actor estupefactos de inveja, compaixão...
Pobre feliz... Nunca olhará aquela luz que dele reflecte, nunca irá dar valor ao ser triste que nos faz saber, saborear o existir.

É uma questão que ultrapassa o sentir, a própria metafísica de seres tu. É impossivel manter a sanidade na felicidade, ciente de perder o tremer de frio que lembra o calor.
Até que chega de novo neste vaivem a desilusão de perder o calor e nunca mais o sentir, já nem o lembras...
Somente dor e a não felicidade...

Percebes senhor o fardo que criei?
Talvez não.
Existem tantos por ai felizes.
Existem tantos por ai infelizes.
Uns vivem do calor e amor.
Uns vivem do frio e da dor.

Eu perco-me no frio de dor por não ter calor...
Sofro no amor pelo frio não ter.
Morto sem mente sendo feliz?
ou
Morto demente, triste infeliz?

Vivo no morrer cancerígeno que é ser eu.
Sonhando o sonho de querer sonhar,
sem nunca perguntar.
Vivo num labirinto sem fim.
Nem frio, nem quente.
Nem morno...
Muito menos morto.
Só...
Louco.




segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O monstro não precisa de amigos.

Não é possível existir em liberdade um ser assim.
Morto na loucura sem grilhões.
Liberta-se por aí em demanda desta felicidade.
Busca o querer de ser todo o maior prazer.
Triste morto.
Louco.
Porque não te sentes?
Se não pensas, estragas o feliz?
Os felizes que vivem para ti?
Pára de morrer neste caderno e....
Tranquiliza....
Fecha os olhos e adormece em amor.
Somente feliz.

A viver!
A viver, em calor, feliz, a beijar, sorrir, amar.
Adormecer, aquecer...
Sendo o amor tu e alguém num só.
Sem ferir por pensamento o sentir.

Deviam encarcerar esta criatura.
Vil monstro que suga a felicidade.
Estar feliz é consequencia de estar morto.
Se para viver é preciso ser triste?
Infelicidade...
Labirinto louco...

Morre triste.
Vive feliz.
Não faz diferença.
Encarcerem-no, sozinho.
Que exista.

Não mate ele meio mundo de loucura.

Porque os outros...
...Sim os outros...
Eles conseguem ser felizes.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Véu

Sobre uma noite fria, no meu quarto sento-me na minha triste cama de casal. De silencio ensurdecedor concentro-me sobre o vazio da minha vida, relembrando o enorme vácuo existencial que me ficou como companhia por séculos atrás.
Aconchego-me por entre lençóis macios, debaixo da tonelada de cobertores, deixo o calor monótono reconfortar-me para mais uma noite de nada até à manhã seguinte, uma rotina de cabelo molhado, café e cigarro pré trabalho.

Não tarda a chegar o manto da inconsciência, leva-me a terras sempre distantes, hoje não é diferente das outras noites, espero como sempre não me lembrar de onde fui, não tem muita importância, é só mais um vazio.

É um sonho, que não se vê muito claro, por isso não deve fazer sentido, vejo através de uma vidraça opaca, quase como se de um vidro embaciado se tratasse.
Por trás de um véu opaco encontra-se uma mulher, tem cabelos encaracolados, tem o cabelo castanho, dourado, tem madeixas louras? Não me perco muito tempo a procurar o cabelo quando reparo perante mim nos pequenos detalhes, como se uma grandiosa tela de um pintor miope fosse desenhada pincelada a pincelada só para mim.
Esta mulher chora, tem os olhos pintados e borrados pelas lágrimas, seus olhos parecem aprofundados pela sua tristeza. Limpa as lágrimas que lhe chegam junto ao pequeno queixo que faz companhia a uns lábios carnudos pintados e borrados como se tivesse tentado libertar-se da sua feminilidade.
Sigo dificilmente as suas lágrimas que caiem sobre um livro que adormece nas suas delicadas mãos. Ela alterna entre o livro e um cigarro poisado sobre o cinzeiro, parece arder à meses, o fumo que a envolve carrega claramente sobre a atmosfera seus pensamentos.

De cada vez que soluça acende um fósforo de mão tremida, eu, sem saber porquê sinto uma pontada no coração por cada gesto repetido.

Parecem passar horas, perco-me por cada virar de página, prolonga-se o mesmo cigarro durante todo o livro.

No final do ultimo capitulo ela apaga o eterno cigarro, começa com as lágrimas secas na sua maquilhagem espalhada a enrolar um cigarro com toda a paciência do mundo.
Termina o ritual beijando o cigarro, acende um ultimo fósforo, este que me queima o coração com a mesma intensidade que ilumina o perfeito cilindro de ponta esfumaçada.
Um fósforo eterno que não desce aos seus dedos, desce na sua mão, ela determinada de cara concentrada observa o livro como se de amor se tratasse, folheia novamente o livro segurando a chama sobre cada ponta de cada página, cada linha vai-se incendiando, letra a letra, palavra a palavra, virgula a virgula ponto final a ponto final, como se o livro esperasse atentamente a sua permissão após ler cada silaba.
Por cada folha que arde elevam-se as cinzas ao cimo do quarto, rodopiando sobre ela como se de corvos se tratassem, diluindo-se a cada hora no tecto. Sofro muito observando o acto, a cada palavra que ela lê e queima, o meu coração despedaça-se gritando em silencio para que tenha piedade, peço-lhe em silencio, grito, bato no vidro, choro e contorço-me de dor, a cada coisa que tento mais me inútil atravessa a minha existência não existente sobre este acontecimento desesperante.

Tento lhe explicar em vão que o amor entre mim, aquele e todos os livros me queima a alma como ela queima cada página, cada parágrafo, cada ponto final, cada vírgula, cada palavra, cada sílaba, cada pedaço de mim. Em vão, como se de minha vida se tratasse, ela a queima.

Acordo.
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De suores frios, acompanhado pela música de assobios do vento lá fora, aconchego-me no desconforto sobre-consciente desta recente companhia metafísica .

Inundo-me sobre eu mesmo ciente de que todo o meu vazio provém do vácuo criado pelo amor, o verdadeiro amor de que todo o não-existir presencia na minha existência. Minha existencia que não se tem para outros, mas para o que outros criaram com carinho.
Sou eu que não era naquele sonho, era a minha vida, meus livros que ela queimava, percebo na minha solidão nesta noite fria que o amor pertence a todas as folhas de todos os livros que li, que não li e que não escrevi.

Sei que o amor não se cria, não se pretende para procura. Não se quer sentir até nos envolver.
Meu amor existe a cada folha escrita, folheada e lida.

Minha existência no vácuo pressente-se pelo vazio do que todos os pretendentes à vida procuram.

Fico-me só, Na ausência de mim.
De ti.
Do amor.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Frio


O frio é um estado do ser que nos trás a verdadeira essência de ser nós.
Ele enrola-se por suspiros, libertando a cada expiração o prazer de estar vivo.
O frio diz-me que no calor se dorme, que nele se vive, que a cada segundo de vento bravio existe um momento de vida suave à nossa espera.

O frio é um belo degustar da vida que se desperdiça com tanto calor neste século contemporâneo.