segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Terra molhada

Estava um dia de sol e calor, eu brincava pela casa da minha avó.
Era uma casa velha, com o característico cheiro a casa antiga, aquela sensação de lar acolhedor de amor dos avós.
Paredes grossas que mantinham o calor lá fora, quadros e tapetes antigos...
Eu eu brincava por lá... pela varanda, andando descalço pelo chão de cimento, bem quente, era quentinho, estar ali sentado, sabia bem.
Brincava e brincava, até ouvir o barulho da trovoada, aquele som que faz tremer o peito, metia medo.
O céu estava escuro lá ao fundo, mas o sol ainda me aquecia.
O vento soprava forte, mas era um vento quente.
A minha avó chamava-me para ir para dentro de casa, mas eu não queria.
Queria saber se chuvia ao sol.
Até que as pequenas gotas frescas cairam.
Não tive alternativa senão ficar atrás das fitas verdes que estavam na porta.
E cheirei algo...
Um cheiro saboroso, quentinho, reconfortante, frio....
Cheirava a terra molhada, um cheiro parecido ao de quando o meu avô regava a horta.
Mas ali não havia sujidade, era a atmosfera quente e cheia de humidade, o som assustador dos trovões, os relâmpagos, tudo demasiado assustador para uma criança pequena.
Fugi para debaixo da mesa da sala de jantar, fiquei ali a ouvir a chuva e os trovões.
Mas os trovões desapareceram e ficou só a chuva, timidamente fui de encontro á janela observar através dos vidros grossos e salpicados a chuva a cair, o sol tinha desaparecido.
Fiquei ali a apreciar esta sensação nova de terra molhada, beliscando a tinta branca que saltava da janela velha.
Encostei o nariz á janela, a humidade da minha respiração condensava no vidro frio, não estava triste, não estava contente, sentia-me bem.
Fiquei ali de nariz molhado á espera da chuva passar, talvez até quando a minha mãe me fosse buscar continuasse a chover.
Brincava no vidro embaciado, expirava e fazia desenhos.
E continuava a chover, do outro lado do vidro, a água escorria, a varanda estava molhada, cheia de pequenas pocinhas entre o cimento e o que restava do velho chão de tijolo antigo.
A pouco e pouco, as gotas cessavam, o telhado do galinheiro não fazia tanto barulho agora, caía menos chuva.
Aventurei-me a pouco e pouco varanda adentro, a minha avó tinha adormecido na poltrona enorme da sala enquanto me observava.
As nuvens espalhavam-se, os raios de sol espreitavam.
Entrei descalço na varanda molhada, consciente do meu crime capital, mas tinha de aproveitar, a avó dormia e não me podia tirar dali agora.
O chão de cimento estava ainda morno, mas agora tambem húmido.
Entre o cimento e os antigos tijolos, crescia um pouco de musgo que fazia cócegas nos pés descalços.
Eu tinha a altura suficiente para encostar o queixo ao muro da varanda.
E ali fiquei, observando ao longe as nuvens outrora carregadas, douradas pelo pôr do sol.
Sonhava saltitar por aquele algodão, brincava entre nuvens, imaginava estar lá no alto por cima daquela paisagem alentejana cheia de terreno recentemente molhado e quente.
Enquanto imaginava, o pôr do sol aquecia-me, eu arrancava pedaços de musgo que crescia no muro da varanda.
E saltitava por cada nuvem fofa e dourada.

Foi assim que conheci o cheiro a terra molhada.

Mitghefull
Fonte Imagem: DeviantArt

1 comentário:

Marta disse...

Como diría o Celso: "É o melhor da vida."