quarta-feira, 29 de abril de 2009

A minha Andorinha-do-beiral

Gostava de fazer hábito de isto.
Ir no principio das primaveras, poisar-me à janela, debruçado sobre a praça da fonte e enamorar-me pelas andorinhas.
Minhas Vizinhas nas beiras.
Largava a cabeça e queixo, caidos sobre os braços cruzados no parapeito, seguia fixo de olhos ora virados ora revirados, os laços avoádos das vizinhas do beiral.
Procurava a minha andorinha favorita, ano após ano, eu a tentava conhecer. Alguma andorinha assim como eu, que vivesse o mundo para fora das janelas. Mas todos os anos via e revia casais e ninhos repletos de novos vizinhos. Assim eu ia ficando cada vez mais sozinho.

Na Primavera mais bonita de todas, estava eu no frio matinal assomado num rasgo de sol em banho de calor, esperando o que nunca vinha.
Mas melhor que o sol, veio uma nova vizinha. Esta sem par enrolava nós apertados de voltas avoádas com láços mirabolantes.
Logo após beber água em vôo rasante, veio poisar na seca e estalada tinta do meu parapeito. Olhou para mim. Piou-me um bom dia bem piado...

Perguntei-lhe porque vinha sozinha e porque voava assim, tão picadamente apertada, tão além dos pequenos rasantezitos vôos das outras andorinhas.
Ela respondeu-me que era mesmo por estar sozinha, porque assim se desdobrava em vôos e viagens infinitas sem medo de se perder, assim sem arrastar ninguém ia a pouco e pouco, fazendo-se de perdida e achada conhecedora do velho desconhecido.

E assim não se importava de estar, disse-me ela entre conversas, anoitadas, prolongadas pelo ressonar piado das outras vizinhas.

Não se importava...Talvez?...Talvez ás vezes.

Fui dar com ela ainda na manhãzinha fria, enrolada nas suas asas, tremida, batendo o bico de frio.
Resgatei-a para o meu conforto de lar e surripei-lhe um raspanete por estar ali naquelas hora sem ninho.
Em piado se desculpava, porque ninhos não eram para ela, são só para quem de família é, será, ou quer ser.

Combinados então. Tratámos um acordo que lhe garantia de forma solene o meu conforto todas as épocas aquando-me visitasse.
Sendo assim, assim foi, todos os anos, me enamorava pelas suas acrobacias e danças voadoras...nos dias. Nas noites apaixonava-me nas suas histórias longinquas em viagem, em aventuras e epicas desventuras por terras tropicais, desertos, montanhas e oceanos infinitos por atravessar.

Era uma andorinha diferente, porque viaja mais, voava mais, e sentia mais.
Nós dois nos apaixonámos por conversas e sentimentos trocados.

Entretanto confessámos, eu por ela tinha uma saudade em demasiada ausência de suas viagens e histórias. Ela por minha sinceridade me confessou que por minha falta sofria cada bater de asas por mais longe de mim que estava.

Foi ficando comigo durante o resto do ano, foi vendo as outras andorinhas vizinhas sairem e voltarem, por vezes passeava na praça e dava a volta à cidade em vôos cada vez de minutos mais longos.
Eu de saudade apertada, sem ar, sofrendo o medo de me deixar para longe e não voltar, durante a noite...
"cortei-lhe as asas para não voar"...

.
.
.

E comigo ficou.
Olhando as primaveras a chegar.
Olhando-me de vazio.
Olhando as vizinhas a aninhar.
Todos os dias eu a levava em passeio na nossa vistosa praça, para ela picar a água em goles de vôos em lembrança.
Mas a vontade ia saindo.
Ela não me dizia para não magoar.
A minha amada andorinha queria voar.
Foi perdendo a força. Foi levando a vontade. Foi perdendo o olhar. Foi ficando sem cor.

Num dia ao acordar na nossa cama vazia, fria, em corrente de ar, debrucei-me na minha velha janela e encontrei, lá bem no fundo do chão a minha amada.

Morta em chão estatelada.

Sentia falta das suas viagens, Sentia falta de histórias para me contar.
Queria se perder para se encontrar no perdido desconhecido.

Agora só fico debruçado ao chão, ignorando as estações das vizinhas, mas fico só admirando o brilhar do sol na pedra da calçada com o teu preto azul brilhante, onde ficas-te.

Nunca se corta a vontade nas asas de quem já foi longe e queria ir muito, muito, muito mais além.

Mitghefüll

Sem comentários: