terça-feira, 5 de junho de 2007

O meu resto chão

São horas de deitar e durmir, é suposto eu agora fechar os olhos e adormecer.
Ajeito-me confortavelmente entre a almofada e os lençóis.
Como adormecer? Assim do nada? É suposto eu dormir?
Não consigo, tenho o defeito inconsciente de ser demasiado consciente.
A almofada torna-se pesada, entre pensamentos os lençóis amarrotam-se.
Não é só fechar os olhos e não pensar em nada. Por isso não se dorme tão facilmente, pelo menos sozinho...
Não existe acção ao adormecer, não existem distracções que me levem o pensamento, é suposto ficar aqui sozinho á espera que o sonho venha.
Divago, penso noutra, penso em nós, penso em tudo o que me enfrenta mentalmente, tudo o que esmaga e pressiona as têmporas para enfrentar os pensamentos .
Irrita-me não poder não pensar, talvez so ficar aqui e adormecer como qualquer um que adormece.
Não foi o Pessoa que inventou o excesso de consciente e a irritação de pensamento. Foi sim ele ( ou qualquer um dos heterónimos) quem foi capaz de expressar essa merda mental, e torna-la no papel não merda, mas um perfume que nos indica como é pensar como ele, demasiado até.
Não tenho a sua capacidade de libertar o pensamento, essa liberdade.
Apenas partilho o estúpido tormento como ele, o consciente em excesso.
Hmm.. talvez partilhe também o uso do alcool como anestesia para os pensamentos soltos por aí, guardá-los la no fundo do inconsciente, só por pouco tempo claro.
Sabe bem deixar e ficar ali a saborear a vida suspirando a felicidade alcoólica sem me importar com nada, onde um cigarro sabe a um cigarro, talvez melhor até. Não tem outras distracções.
Pior é que o alcoól nos deixa sem demasiados pensamentos, então, as pessoas tomam como desagradável fazer coisas sem pensar.
Estúpidos!
Já tenho calor, a comichão de cada gota de suor que se escapa por cada póro.
Insuportável!
Penso quando chega o sono, mas pensar não o faz chegar.
Levanto-me afastando os já lençóis quentes e amarrotados por irritações de excesso mental.
Pisando o chão frio corro no escuro procurando uma caixa de anestesiante mental.
Engulo as drageias a seco, que arranham pela garganta e esófago adentro.
Fecho os ólhos e penso quando chega o sono...
Sou eu...que respiro...
Sou eu...que sinto...
A cabeça está pesada...
e...
Leve...
Já não penso?
hmm... que paz.
É tão bom ter sonhos como paradoxo! É bom poder durmir sem pensar em...tudo..
hmm...doce soporífero...
O meu ópio...
O meu resto chão.

Mitgefühl

2 comentários:

Eleanor Rigby disse...

o teu resto de chão...o teu resto de vida.

voltei a ver as noites passar, a ve-las passar literalmente...faço questão de olhar para o relogio e ver cada minuto que passa,porque? n sei...sei apenas que é mais um momento de chão, do meu chão...

...pode ser que um dia acorde novamente numa cama com lençois perfumados.

Ana Margarida Cinza disse...

as noties de insónia ardem..às tantas fazem-nos pensar mais do que devemos, simplesmente porque nao conseguimos parar de pensar..quando estamo embebidos de felicidade, dormimos..quando não o estamos, desesperamos!

ah...Pessoa era um génio, mas profundamente infeliz e complicado..não lhe apanhes as manhas nem os defeitos...O alcool pode ser ainda mais problemático!

gostei*